domingo, 31 de maio de 2009

Depressão - causa, motivo


 causa exata da depressão permanece desconhecida. A explicação mais provavelmente correta é o desequilíbrio bioquímico dos neurônios responsáveis pelo controle do estado de humor. Esta afirmação baseia-se na comprovada eficácia dos antidepressivos. O fato de ser um desequilíbrio bioquímico não exclui tratamentos não farmacológicos. O uso continuado da palavra pode levar a pessoa a obter uma compensação bioquímica. Apesar disso nunca ter sido provado, o contrário também nunca foi.
Eventos que desencadeiam são muito estudados e de fato encontra-se relação entre certos acontecimentos estressantes na vida das pessoas e o início de um episódio depressivo. Contudo tais eventos não podem ser responsabilizados pela manutenção da depressão. Na prática a maioria das pessoas que sofre um revés se recupera com o tempo. Se os reveses da vida causassem depressão todas as pessoas a eles submetidos estariam deprimidas e não é isto o que se observa. Os eventos estressantes provavelmente disparam a depressão nas pessoas predispostas, vulneráveis. Exemplos de eventos estressantes são perda de pessoa querida, perda de emprego, mudança de habitação contra vontade, doença grave, pequenas contrariedades não são consideradas como eventos fortes o suficiente para desencadear depressão. O que torna as pessoas vulneráveis ainda é objeto de estudos. A influência genética como em toda medicina é muito considerada e estudada. Trabalhos recentes mostram que mais do que a influência genética, o ambiente durante a infância pode predispor mais as pessoas. O fator genético é fundamental uma vez que os gêmeos idênticos ficam mais deprimidos do que os gêmeos não idênticos.

Depressão - tratamento e sintoma

A depressão se manifesta por uma grande variedade de sintomas, mas nem os médicos são capazes de mensurar a dor que ela provoca

Quem já se sentiu deprimido sabe muito bem o que isso significa. As demais pessoas podem ter alguma ideia vaga de como se sente um deprimido, mas é impossível sentir aquilo que ele sente. Com a condição de não ter seus nomes revelados, algumas mulheres – nenhum dos homens abordados pela reportagem aceitou o convite – que sofreram ou sofrem com a doença descreveram sua dor. Dor que nem mesmo os psiquiatras podem mensurar, confessa o médico Geraldo José Ballone, professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Camp).

A depressão se manifesta por uma grande variedade de sintomas, entretanto, eles decorrem, de acordo com o psiquiatra, de três básicos: sofrimento moral, inibição global e perda do prazer. Ballone conta que ao deprimido parece que a vida “perdeu o brilho” e nada é agradável. Existem casos de pacientes que se referem a esse incômodo dizendo que até sua sandálias havaianas apertam seus pés. O psiquiatra acredita que a depressão tenha uma origem multifatorial, sendo a noção ou controle do tempo um desses muitos fatores. “Lutar contra o tempo pode significar um esforço adaptativo relativamente novo na espécie humana, considerando o longo período de nossa evolução”, destaca.

Além do preconceito e dos estigmas sociais, a falta de diagnóstico e tratamento errado levam um número cada vez maior de pessoas a sofrer com a doença. Em termos numéricos, o suicídio não é o principal dano psíquico da depressão. A maioria dos deprimidos felizmente não se mata. “O maior dano é, sem dúvida, o prejuízo na qualidade da vida emocional, na sensação de infelicidade, na desesperança e na perda do prazer da vida”, explica Ballone, para quem a “obrigação de ser feliz” pode não ser uma causa de aumento na incidência da depressão, mas, sem dúvida, é um “importante fator de conscientização” da condição de vida.

“Nossa sociedade glorifica a expansividade, a extroversão, o barulho e não vê com bons olhos a reflexão, a mansidão, a introspecção. Se um adolescente fica mais tempo em seu quarto lendo, refletindo, escrevendo, sempre tem uma tia sugerindo aos pais para levá-lo ao psicólogo”, exemplifica.

Desconfiança
Mestre em filosofia política pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e praticante da filosofia clínica, o professor Will Eduardo de Goya diz que, ao atender pacientes com “transtorno depressivo”, percebe que muitos deles também utilizam a doença como uma maneira “inteligente e necessária” para vencer os desafios que encontram na vida. “Conheço pessoas que não suportam mais o trabalho ou o relacionamento conjugal e é através da ‘depressão’ que conseguem sobreviver e até sair disso”, explica.

Goya vê com desconfiança a estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que 121 milhões de pessoas no mundo sofram de depressão. “Hoje em dia, duvido que haja uma só pessoa que não ficaria retida num exame psiquiátrico rigoroso para sério tratamento. Não sejamos ingênuos, alguém acredita que isso nada tem a ver com o vertiginoso aumento de medicações da indústria farmacêutica a exigir lucros?”, questiona.

Depoimentos de quem superou a depressão

‘É cinza, sem sabor e sem cor’
“Depressão. O que dizer sobre esse assunto? É cinza, sem sabor, sem cor, sem brilho, sem vida... É o que sentimos. Nada faz sentido, nada tem valor, nada é bonito, nada importa. A sensação da morte presente sim é algo muito real, porque a gente se sente , morto-vivo e vivo-morto. E tudo que lembra a morte é mais familiar e mais desejado que qualquer outra coisa. Sintomas? Dores terríveis, sensação de fim, uma tristeza inexplicável, apatia total às coisas da vida, não se tem vontade de fazer absolutamente nada. Só de morrer, devagarinho, pedindo que o mundo nos deixe em paz. Um sofrimento sem razão de ser, mas com feridas profundas. De onde vem? Não sei explicar. Não tem explicação. Tudo é tristeza, tudo é um vão, vazio. Um poço sem fundo...” CRISTINA, 35 ANOS*

‘Cheguei a ponto de tentar suicídio’
“Há pouco mais de um ano, comecei a conviver com uma assustadora melancolia. O primeiro sintoma foi o isolamento. Quem me conhecia desconfiava da minha ausência em festas e reuniões de amigos. Ficar em casa ouvindo músicas tristes era o que me satisfazia. Sentia tanta dor, inclusive física, pela somatização de angústias, que no início, mesmo com a ajuda de um terapeuta, uma psiquiatra e vários medicamentos, não conseguia me ver longe daquele abatimento. Acreditava que minha vida era como um teatro no qual eu inventava meus personagens e apresentava uma péssima atuação. Passei por tantos estágios de aflição que cheguei a ponto de tentar suicídio e ser internada em uma clínica psiquiátrica. Minha família sofreu junto comigo. O pior era ter de tentar esconder isso de algumas pessoas, pois, passada aquela fase, como os outros iriam me olhar? Como meus colegas de trabalho se refeririam ao assunto? Com pena? Medo? É muito triste sermos julgados durante toda a vida por uma fase. Hoje entendo que, quando meus problemas não são resolvidos, eles tendem a me levar à depressão. Nesse aflitivo ciclo em que vivo, estou cercada dos cuidados da família e de amigos. Minha depressão tem sido vencida e no fim ela mesma encabula e sai correndo.”MARTA, 28 ANOS*

’Tinha medo de estar doida’
“Em 1998 meu marido passou em um concurso em outro Estado. Apaixonada, larguei tudo para acompanhá-lo em nossa nova vida. A euforia logo deu lugar à solidão. Passava muito tempo sozinha. Vivi 7 anos e 11 meses escondida dentro de uma casa. Não sei se a mudança foi a causa da tristeza que virou depressão, mas o certo era que sentia uma dor imensa. Logo eu, que sou do signo de leão e sempre fui reconhecida por ser batalhadora, otimista e guerreira. Lembro que lá era um calorão e eu ia para a cama e me cobria de cobertas às 20 horas. Era uma tentativa de me proteger da dor. Acabei buscando refúgio no álcool. Foi meu fundo do poço. Bebia e sentia culpa. Sentia culpa e bebia. Tinha medo de descobrir que estava doida. Sentia que estava sucumbindo, morrendo aos poucos. Meu marido não teve a sensibilidade de ver que eu precisava de ajuda, que acabei encontrando com os amigos. Me levaram a um psiquiatra, o que foi fundamental para minha recuperação. Com a ajuda da família e dos meus amigos, consegui vencer a depressão, uma dor que não desejo a ninguém.”
ESTELA, 51 ANOS*

Culpa por não ser feliz

A depressão leva o sujeito a se sentir culpado de não estar tão feliz quanto deveria, observa a antropóloga Miriam Goldenberg, autora do livro De Perto Ninguém é Normal (Editora Record). Para ela, a cultura consumista, em que tudo é facilmente deletável e descartável, agravaria o problema. “Ideias de sofrimento, tristeza e espera aparecem como algo que deve ser evitado. Todos querem consumir prazer, alegria, felicidade, em garrafas, pílulas ou atividades, desde que não tenham de parar para pensar. Não posso parar para pensar e sofrer. Esta é a cultura do nosso tempo, de viver sem parar, sem pensar e sem sofrer”, ressalta.

O indivíduo, segundo a antropóloga, que não segue essa regra, sente-se responsável pelos próprios problemas, além de culpado por ser diferente. “Ele se culpabiliza e, também, é estigmatizado por aqueles que não toleram quem pensa, para e sofre.” Na prática, se alguém está triste, a cobrança social duplicaria a infelicidade.

Presidente do Conselho Regional de Psicologia de Goiás e Tocantins, a psicóloga Heloiza Helena Massanaro lembra que a mídia tem grande responsabilidade na criação de padrões de comportamento, como a felicidade sufocante das famílias dos comerciais de margarina e a euforia das celebridades nas revistas de fofoca.“Às vezes fico vendo aquelas fotos e pensando quem são os analistas dessas pessoas que transbordam alegria o tempo todo. Esses modelos rígidos acabam gerando muito sofrimento”, observa a psicóloga. Sofrimento não só por aquilo que faz as pessoas sofrerem – o luto, o desemprego, uma perda amorosa –, mas sofrimento pela culpa de estar triste em um mundo moldado para a alegria.

Saiba tudo sobre a Depressão

Depressão sai dos consultórios médicos para ser vista como um sintoma social de uma época que supervaloriza o ritmo frenético de vida

Numa rodovia, dentro dos limites de velocidade, a motorista percebe que um cachorro começa a atravessar a pista repleta de carros. Ela vê que vai atropelar o animal, mas não pode desviar nem frear, sob o risco de provocar um acidente ainda maior. Por milésimos de segundos, vive a agonia de perceber que está em uma velocidade irreversível e que matará um ser vivo.

O episódio – real e com final feliz para o cão, que sobreviveu mancando ao atropelamento – serviu de metáfora para a psicanalista Maria Rita Kehl refletir em seu novo livro, O Tempo e o Cão (Boitempo Editorial), sobre a depressão como um sintoma social de uma época que supervaloriza a velocidade. A obra aborda a doença como um mal-estar da sociedade contemporânea.

O tempo que corre rápido e a ideia de que é preciso estar sempre feliz – ou melhor, encenar a felicidade – podem, segundo a autora, ser as principais causas da depressão. O aumento do número de pacientes se dizendo deprimidos no consultório e o estudo da obra dos filósofos Henry Bergson (1859-1941) e Walter Benjamin (1892-1940), que teorizou a relação entre a melancolia e a aceleração do tempo, são apontados pela psicanalista como os motivos que despertaram seu interesse pelo tema.

Aumento dos casos
A questão era encontrar uma razão para o aumento de casos de depressão. De acordo com dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o uso de medicamentos contra a doença tem crescido a uma taxa assustadora no País: 42% entre 2003 e 2007. “Se existe uma causa para esse aumento, ela está na perda do sentido da experiência em função da aceleração da temporalidade contemporânea. Os casos de depressão no consultório me ajudaram a entendê-la como um sintoma social, como um sofrimento que se alastra”, explicou Maria Rita, em entrevista por e-mail ao POPULAR. A velocidade cotidiana, para ela, criaria um vazio, e não um preenchimento.

A psicanalista defende que a depressão é um sintoma social no sentido de que diz respeito não só ao sujeito, tomado individualmente, mas também revela alguma coisa que não vai bem nas condições sociais em que ele vive. Numa sociedade que “aposta na euforia como valor”, a tristeza e o desânimo tendem a ser vistos como patologia, como um comportamento a ser corrigido – de preferência, com remédios. Nessa dinâmica, a fronteira entre tristeza, normal na vida de qualquer ser humano, e depressão tem se perdido.

“A sociedade que acredita no mercado, na festa, no consumo de bens como um caminho para a felicidade e o reconhecimento deveria ser bem menos depressiva”, raciocina Maria Rita, que é doutora em psicanálise pela PUC-SP. Ao contrário, os relatos nos consultórios mostram que as pessoas se sentem cada vez mais vazias e que a vida lhes parece sem sentido. Muitas delas chegam a perder a vontade de viver. “E este mercado não está dando conta de seu papel de dar sentido e valor à vida das pessoas”, afirma a psicanalista.

À luz da medicina, a depressão é uma doença grave, sistêmica e que afeta todo o organismo. Um paciente deprimido que não se submete a tratamento pode desenvolver outras doenças sérias como hipertensão e diabetes, pois fica vulnerável biologicamente. A causa da doença ainda é desconhecida, mas uma das teorias mais aceitas é que ela seria consequência de uma disfunção no sistema nervoso central que diminui e desequilibra as concentrações de dois neurotransmissores (a serotonina e a noradrenalina), substâncias que, em conjunto, regulam o humor e as funções cognitivas.

“É possível diagnosticar um quadro de depressão pela percepção da vitalidade da pessoa, da energia e da força bruta e criativa que ela coloca nas suas relações com o mundo. O estado depressivo se caracteriza pela falta de vitalidade e incapacidade para o prazer”, define o psiquiatra Isaac Efraim.

O que chama a atenção na hipótese de Maria Rita Kehl é que a doença deixa a esfera individual para ser pensada no coletivo. Sai do consultório médico para ser abordada por outras áreas do conhecimento. No livro, a psicanalista compara a depressão, hoje, ao que era a histeria no século 19. A tristeza seria tão mal aceita atualmente quanto era o comportamento feminino não recatado naquela época. Ela ressalta porém que a ideia de que a depressão seja um sintoma social não significa que os depressivos devam ser tratados como casos sociológicos. Os depressivos devem ser escutados, como todos os que buscam a psicanálise, um a um.

Maria Rita critica o abuso do consumo de medicamentos antidepressivos, que, segundo ela, podem até ajudar as pessoas a não se matar e a ter coragem de procurar uma análise ou uma terapia para enfrentar seus problemas, mas não resolvem a situação. “Os antidepressivos, sozinhos, não resolvem o problema que deu origem à depressão. Reduzir a depressão a um problema químico é contribuir para que ela aumente, e não diminua, porque com essa concepção se reduz o lugar do sujeito, como sujeito psíquico, desejante e conflitivo, a uma dimensão insignificante. A depressão é a doença do sujeito que se sente insignificante”, defende.